O JornalGGN sugere, para a leitura da matéria, que o leitor tome as seguintes referências:
1) Houve uma grande aproximação entre o presidente do STF,
Joaquim Barbosa, e a grande imprensa, desde o início do julgamento da AP
470, o chamado mensalão, embora a personalidade do ministro não tenha
subtraído dessas relações conflitos pontuais com repórteres ou mesmo com
o tratamento de jornais a determinados temas;
2) É interessante como Barbosa separa a análise do tratamento
jurídico do País à liberdade de imprensa e a sua visão sociológica pelo
tema, mediada pela questão racial (pequena presença de negros na
imprensa) e pela ideologia (pouca diversidade). É uma visão que
reconhece que o universo das leis nem sempre anda no mesmo passo da
sociedade. A Constituição de 1988 foi progressista em relação à
liberdade de expressão e dos direitos fundamentais, mas a estrutura
judicial e a imprensa são conservadores em relação a elas: o preconceito
dificulta a produção de justiça e o pluralismo.
(Da Redação do Jornal GGN)
Em discurso no evento de comemoração do Dia Mundial da Liberdade de
Imprensa, realizado pela Unesco, na Costa Rica, no dia 3 de maio, o
presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, afirmou que a
mídia brasileira é afetada pela ausência de pluralismo. Ressaltando que
neste ponto falava como acadêmico, e não como presidente do STF, ele
avaliou que esta característica pode ser percebida especialmente pela
ausência de negros nos meios de comunicação e pela pouca diversidade
política e ideológica da mídia.
A apresentação do presidente do
STF se deu em quatro partes voltadas a apresentar uma perspectiva
multifacetada sobre liberdade de imprensa. Na abertura, reafirmou o
compromisso da corte e do país com a liberdade de expressão e de
imprensa, e ressaltou que
uma imprensa livre, aberta e economicamente sólida é o melhor
antídoto contra arbitrariedades. Barbosa lembrou a ausência de censura
pública no Brasil desde a redemocratização em 1985.
Na segunda
parte, o ministro apresentou como o tema é tratado na Constituição de
1988, que pela primeira vez reservou um capítulo específico para a
comunicação. Segundo Barbosa, no sistema legal brasileiro nenhum direito
fundamental deve ser tratado como absoluto, mas sempre interpretado em
completa harmonia com outros direitos, como privacidade, imagem pessoal
e, citando textualmente o texto constitucional, “o respeito aos valores
éticos e sociais da pessoa e da família”. Nesse sentido, ressaltou o
ministro, o sistema legal brasileiro relaciona a liberdade de expressão
com a responsabilidade legal correspondente. “A lei se aplica a todos e
deve ser obedecida. A liberdade de imprensa não opera como uma folha em
branco ou como um sinal verde para violar as regras da sociedade”,
afirmou Barbosa.
Na terceira parte de seu discurso, Joaquim
Barbosa apresentou dois casos em que o Supremo Tribunal Federal teve que
lidar com a liberdade de expressão e de imprensa. No primeiro, lembrou a
a análise que o STF teve de fazer sobre a publicação de obras racistas
contra judeus por parte de Siegfried Ellwanger. Neste caso, a corte
avaliou que a proteção dos direitos do povo judeu deveria prevalecer em
relação ao direito de publicar casos discriminatórios. Em seguida, falou
sobre a lei de imprensa, que foi derrubada pelo Supremo por ser
considerada em desacordo com a Constituição e extremamente opressora aos
direitos de liberdade de expressão e de imprensa.
Antes de
encerrar, porém, Barbosa fez questão de ressaltar que não estaria sendo
sincero se não destacasse os problemas que via na mídia brasileira.
Falando da ausência de diversidade racial, o ministro lembrou que embora
pretos e mulatos correspondam à metade da população, é muito rara sua
presença nos estúdios de televisão e nas posições de poder e liderança
na maioria das emissoras. “Eles raramente são chamados para expressar
suas posições e sua expertise, e de forma geral são tratados de forma
estereotipada”, afirmou o ministro.
Avaliando a ausência de
diversidade político-ideológica, Barbosa lembrou que há apenas três
jornais de circulação nacional, “todos eles com tendência ao pensamento
de direita”. Para ele, a ausência de pluralismo é uma ameaça ao direito
das minorias. Barbosa finalizou suas observações sobre os problemas do
sistema de comunicação destacando o problema da violência contra
jornalistas. “Só neste ano foram assassinados quatro profissionais,
todos eles trabalhando para pequenos veículos. Os casos de assassinatos
são quase todos ligados a denúncias de corrupção ou de tráfico de drogas
em âmbito local, e representam grave violação de direitos humanos”.
Em
resposta a questionamentos do público, Barbosa lembrou um dos motivos
da impunidade nos crimes contra a liberdade de imprensa é a
disfuncionalidade do sistema judicial brasileira, que tem quatro níveis e
“infinitas possibilidades de apelo”. Além disto, a justiça brasileira
tem, na perspectivas de Barbosa, sistemas de proteção aos poderosos, que
influenciam diretamente os juízes. “A justiça condena pobres e pretos,
gente sem conexão. As pessoas são tratadas de forma diferente de acordo
com seu status, cor de pele ou poder econômico”, concluiu Barbosa.